Greves Interseccionais Femininas: 8M de 2024 no Brasil

Na última sexta-feira, dia 8 de março de 2024, dia internacional da mulher, milhares de trabalhadoras brasileiras e de todo mundo foram às ruas para reivindicar, tal qual nos últimos 8 anos, direitos reprodutivos, produtivos e lutar pelo fim da violência de gênero.

Neste contexto, a greve feminista que se firma enquanto motor para o surgimento do movimento 8M teve início em outubro de 2016 na Polônia, onde mais de 100 mil mulheres fomentaram paralisações e passeatas em prol da legalização do aborto no país. Ao final do mesmo mês, a insurgência do movimento feminista atravessava o Atlântico, chegando até a Argentina, onde mulheres afrontaram o feminicídio de Lucía Pérez, a partir do movimento “Ni uma a menos”(Arruza; Bhattacharya; Fraser, 2019). Posteriormente, as greves feministas passaram a ser protagonizadas por trabalhadoras de diversos países da Europa e América, tais como Brasil, Chile, Itália, Espanha, Peru, Estados Unidos, crescendo também em escolas, mídia e política (Arruza; Bhattacharya; Fraser, 2019). 

O que se iniciou como um protesto em âmbito nacional atingiu proporções mundiais no dia 8 de março de 2017, a partir das hashtags como: #NossotrasParamos, #NiUnaMenos, #Feminism4the99, #WeStrike: trabalhadoras de todo o mundo decidiram entrar em greve juntas, rompendo desta forma, tanto sua prestação de serviços no espaço produtivo1, quanto no reprodutivo2.

Em nosso país, a partir do 8M, trabalhadoras brasileiras politizam de forma ainda mais potente o dia internacional da mulher, estabelecendo uma ponte entre resistência à exploração capitalista e historicidade. Em termos jurídicos e acadêmicos, este movimento emergente ressignificou os sentidos da greve, na medida em que associa a paralisação do trabalho produtivo ao reprodutivo, com marchas, boicotes e manifestações artísticas, a exemplo de flashmobs3

Da mesma forma, essa nova liderança feminina expandiu a concepção do que é considerado trabalho, trazendo questionamentos a respeito da divisão moderna/colonial entre trabalho produtivo, reprodutivo e improdutivo no capitalismo contemporâneo, que é aceita pelo Direito. Na medida em que se recusam a limitar o que se denomina por trabalho à atividade produtiva das mulheres. Sendo assim, o ativismo feminino que teve seu início no ano de 2016 dá visibilidade aos serviços prestados por mulheres dos quais as estruturas do capital usufruem, mas não recompensam economicamente. 

Além disso, muito distante de apenas abordar questões que se referem apenas ao trabalho, seja ele remunerado ou não, os movimentos grevistas em questão deram enfoque a temas como assédio, agressão física e sexual, direito ao aborto, justiça reprodutiva, opressões de raça, classe, sexualidade e origem. Ao levantar questionamentos múltiplos sobre as subalternidades vividas por mulheres de locais e realidades diversas, a greve feminista 8M assume como traço principal a interseccionalidade, associando-a à luta de classes.Nas palavras de Cinzia Arruzza, Thithi Bhattacharya e Nancy Fraser (2019, p. 34): 

“Como consequência, a nova onda feminista tem potencial para superar a oposição obstinada e dissociadora entre ‘política identitária e política de classe’. Desvelando a unidade entre o ‘local de trabalho’ e ‘vida privada’, essa onda se recusa a limitar sua luta a um desses espaços. E, ao redefinir o que é considerado “trabalho” e quem é considerado “trabalhador” rejeita a subvalorização estrutural do trabalho- tanto remunerado como não remunerado- das mulheres no capitalismo.” (Grifos nossos)

Mediante à revolução conceitual que a greve feminista 8M tem o condão de fomentar no âmbito do Direito Coletivo do Trabalho brasileiro, questiona-se: teria o direito de greve, como maior ferramenta de luta e meio para conquista de novos direitos sociais, capacidade para proteger juridicamente as trabalhadoras que protagonizam tais movimentos coletivos?

Em relação ao questionamento disposto acima, ressalta-se que apesar de o movimento grevista ter sido o principal criador de direitos na modernidade, atualmente, essa forma de luta se encontra consideravelmente limitada, seja em termos sociológicos ou jurídicos. 

Sob o aspecto sociológico, a greve como interrupção total do trabalho é um meio de luta inoperante no capitalismo contemporâneo. Tal ineficiência ocorre dado que grande parte da classe trabalhadora se encontra na informalidade; o setor produtivo foi ampliado, linhas diversas de montagem de um mesmo produto podem estar em países ou até continentes diversos. Além disso, a maior parte do trabalho em diversas áreas, não somente no setor industrial, é feito através de máquinas, internet, com forte automatização. Nesse sentido, parar de trabalhar pode não gerar um dano para as empresas do capitalismo contemporâneo, tornando a greve moderna, planejada para o sistema taylorista-fordista, ineficaz. 

Há também limitação na seara legal. A Constituição da República Federativa do Brasil (CF/88) em seu artigo 9° prevê a greve de maneira ampla já que “é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender” (Brasil, 1988). 

Entretanto, existe um diploma legal limitador de tal exercício, a Lei n. 7.783/89, Lei de Greve, vigente no país, que limita o exercício deste direito apenas à “suspensão coletiva, temporária e pacífica do trabalho, de 28 forma total ou parcial” (Brasil, 1989), para empregados que visam interesses econômicoprofissionais, tornando ilegal todas as demais formas de luta no país.  Neste contexto, o poder judiciário vem em diferentes medidas replicando as limitações trazidas pela Lei 7783/89 no que concerne ao exercício do direito de greve. 

Deste modo, analisando da perspectiva imposta pela Lei 7783/89, seria impossível que o movimento 8M fosse abarcada pelo manto protetivo do Direito Coletivo do Trabalho enquanto um movimento grevista4. Em oposição a este entendimento, e direcionados pela previsão constitucional do direito de greve, reforçamos a ideia que o artigo 9º da Constituição da República Federativa do Brasil se caracteriza enquanto uma norma de eficácia plena, sendo então, desnecessária Lei Complementar — neste caso, a Lei 7783/89 —, para que a mesma possa produzir efeitos. 

Para além disso, reconhecemos a centralidade do trabalho reprodutivo para a manutenção da exploração capitalista5, e o reconhecimento do labor exercido de forma gratuita pelas mulheres no âmbito doméstico e de cuidado enquanto trabalho. Isto posto, compreendemos como inconstitucional a ausência de reconhecimento do movimento 8M enquanto greve.

  1.  Em termos marxistas, é aquele que insere um bem ou serviço no mercado, capaz de gerar mais-valia, ou seja, autovalorização do valor decorrente do tempo de trabalho excedente à disposição do capitalista (MARX, 1985).
    ↩︎
  2. Trabalho reprodutivo se refere ao trabalho necessário para a reprodução humana realizado pela mulher ao longo da história, como ao conjunto de atenções e cuidados necessários para o sustento da vida e a sobrevivência humana: alimentação, cuidados físicos e sanitários, educação, relações sociais, apoio afetivo e psicológico ou manutenção dos espaços e bens domésticos(MARX, 1985).
    ↩︎
  3. No geral, Flashmobs se caracterizam como aglomeração de pessoas em um determinado local público com o intuito de realiza algum tipo de ação inusitada previamente estabelecida. ↩︎
  4. Ver em: Greves interseccionais feministas : a ausência de proteção jurídica no direito do trabalho brasileiro. Disponível em: <https://www.monografias.ufop.br/handle/35400000/2766?locale=es> ↩︎
  5. Ver em:Trabalho reprodutivo gratuito : tratamento precário no âmbito do Direito Previdenciário brasileiro. Disponível em:< https://monografias.ufop.br/handle/35400000/3931?mode=full
    ↩︎

FIDELIDADE PARTIDÁRIA E DESFILIAÇÃO POR JUSTA CAUSA: a hipótese da janela partidária

A fidelidade partidária, de forma resumida, pode ser definida como o dever de obediência do cidadão ao partido político em que se encontra filiado, compreendendo nesse aspecto o respeito ao programa, às diretrizes e outras obrigações decorrentes de regulamentações internas das agremiações partidárias, bem como a impossibilidade de migração partidária sem justa causa – no caso de detentores de mandato eletivo. 

Parte da doutrina entende que “é possível afirmar que a fidelidade partidária é um princípio expressamente adotado na Constituição da República de 1988, em seu art. 17, §1º1, que reflete a importância dos Partidos Políticos e da manutenção – ou proteção – de sua ideologia política” (SILVA e SANTOS, 2013, p. 17-18). Contudo, apenas em 2007 a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal passou a adotar entendimento no sentido de estabelecer que os mandatos eletivos pertencem aos partidos políticos e não aos candidatos eleitos, fortalecendo o instituto da fidelidade partidária. 

Em relação à mudança de entendimento do STF, extraem-se dos acórdãos relativos à matéria as afirmações de que a fidelidade partidária é corolário lógico-jurídico necessário do sistema constitucional vigente, sem que haja necessidade de expressão literal; que o mandato representativo não constitui projeção de um direito pessoal titularizado pelo parlamentar eleito, mas representa, ao contrário, expressão que deriva da indispensável vinculação do candidato ao partido político; que a ruptura dos vínculos de caráter partidário e de índole popular, provocada por atos de infidelidade do representante eleito, subverte o sentido das instituições, ofende o senso de responsabilidade política, traduz gesto de deslealdade para com as agremiações partidárias de origem, compromete o modelo de representação popular e frauda, de modo acintoso e reprovável, a vontade soberana dos cidadãos eleitores (DAMAZIO, 2023, p. 63).

Todavia, mesmo havendo uma preponderância de mecanismos normativos que protegem a fidelidade partidária, em resposta ao entendimento firmado pelo STF, o legislador optou por prever hipóteses legais que resguardam a troca de partido político pelos detentores de mandato, em situações que caracterizam justa causa (art. 22-A da Lei nº 9.096/952). Dentre as possibilidades, destaca-se a chamada “janela partidária”, descrita no inciso III do parágrafo único do mencionado artigo como a “ mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente”.

Em suma, a janela partidária é o período de 30 dias em que os ocupantes de cargos eletivos (obtidos em eleições proporcionais) podem trocar de partido sem perder o mandato por infidelidade partidária. No ano de 2024, considerando as eleições municipais, a troca de agremiação partidária poderá ocorrer de 7 de março a 5 de abril (prazo final para filiação daqueles que pretendem concorrer às eleições municipais de 2024, cujo primeiro turno será realizado dia 06 de outubro).

É importante reiterar que, como no ano de 2024 as eleições serão municipais, somente os vereadores eleitos pelo pleito de 2020 poderão usufruir da janela partidária – a hipótese de desfiliação não abarca os eleitos nas eleições de 2022 para as Assembleias Legislativas e para a Câmara dos Deputados.

REFERÊNCIAS

SILVA, Adriana Campos; SANTOS, Polianna Pereira dos. O princípio da fidelidade partidária e a possibilidade de perda de mandato por sua violação – Uma análise segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. REVISTA DO INSTITUTO DE HERMENÊUTICA JURÍDICA, v. 11, p. 13-34, 2013.

DAMAZIO, Caio Lucca. A fidelidade partidária e os movimentos cívicos: uma análise a partir do julgamento do caso Felipe Rigoni. Temas de Direito Eleitoral – Estudo de Casos. 1ed.Campo Grande: Editora Majupá, 2023, v. , p. 1-150.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.BRASIL. Lei nº 9096, de 19 de setembro de 1995. Brasília, DF.

  1. Art. 17, §1º da CF/88. É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. ↩︎
  2.  Art. 22-A da Lei nº 9.096/95.  Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.                  
    Parágrafo único.  Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses:
    I – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;                       
    II – grave discriminação política pessoal; e      
    III – mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.
    ↩︎

Aprovação Doutorado UFMG – Márcia Fernanda Corrêa

É com grande satisfação que gostaríamos de anunciar e parabenizar a nossa sócia, Márcia Fernanda, pela aprovação em seu Doutorado, no Programa de Pós-graduação em Direito da da Universidade Federal de Minas Gerais, na área de estudos Direito do Trabalho e Crítica.

Aprovação na Defesa da Dissertação de Mestrado – Márcia Fernanda Corrêa

É com grande satisfação que gostaríamos de anunciar e parabenizar a aprovação da dissertação de mestrado de nossa sócia Márcia Fernanda Corrêa, no Programa de Pós-Graduação em Direito na Universidade Federal de Ouro Preto.

A dissertação se desenvolve fundamentalmente mediante a vertente metodológica jurídico-sociológica, possui como objetivo central a investigação da possível relação entre epistemologia e ontologia do direito de greve, a partir de marcos teóricos decoloniais. Enquanto hipótese, sustenta-se que a classificação epistêmica do direito de greve no Brasil como greve-delito, greve-liberdade ou greve-direito, não se relaciona com o modelo político Estatal, como sugerem os manuais juslaborais, mas sim com a ontologia dos corpos que protagonizam a luta coletiva. Intenciona-se demonstrar, portanto, por meio de uma análise crítica da construção epistemológica do direito de greve, que o locus protetivo deste instituto jurídico está reservado aos sujeitos com localização racial, sexual e geográfica muito específicas. Para tanto, pretende-se proceder um estudo acerca das teorias decoloniais e do método interseccional. Posteriormente, considerando a classificação doutrinária cunhada por Piero Calamandrei, pretende-se proceder uma análise de movimentos majoritariamente protagonizados por pessoas negras, populações originárias e mulheres, e sua relação com o tratamento jurídico da greve como delito e da greve como liberdade, de modo a possibilitar a verificação da hipótese apresentada. Além disso, visa-se definir o conceito jurídico e doutrinário do direito de greve no Brasil, bem como a sua interpretação jurisprudencial no Tribunal Superior do Trabalho. Desse modo, intenciona-se localizar o sujeito epistêmico do direito de greve em nosso país, problematizando-o sob a perspectiva decolonial.

Aprovação na Defesa da Dissertação de Mestrado UFOP – Caio Damazio

É com grande satisfação que gostaríamos de anunciar e parabenizar a aprovação da dissertação de mestrado do nosso sócio Caio Damazio, no Programa de Pós-Graduação em Direito na Universidade Federal de Ouro Preto.

A dissertação de mestrado tem como tema central a discussão acerca do limite jurídico-político da atuação dos membros da Câmara dos Deputados nos casos em que há julgamento de seus pares por quebra de decoro parlamentar. Por meio de uma pesquisa teórica de caráter jurídico-compreensivo e jurídico-propositivo, utilizando como marco teórico a ideia de Razão Pública desenvolvida por John Rawls e o conceito de processo como procedimento realizado em contraditório, cunhado por Elio Fazzalari e popularizado no Brasil pela obra de Aroldo Plínio Gonçalves, busca-se comprovar a hipótese de que Deputadas Federais e Deputados Federais, atuando em processos no âmbito do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, devem agir dentro dos limites impostos pela Razão Pública e conforme os princípios constitucionais processuais, contribuindo assim para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Com o intuito de exemplificar melhor a temática, será também realizado um estudo de caso cujo objeto são as representações apresentadas em desfavor do Deputado Federal Eduardo Bolsonaro, em 2019, após o parlamentar ter defendido a possibilidade de edição de um “novo AI-5”. Sendo assim, serão analisados os aspectos da teoria de John Rawls que se adequam ao Poder Legislativo, a razão de o procedimento do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados ser compreendido como uma modalidade de processo na perspectiva constitucional e os limites existentes na atuação parlamentar. Por fim, pretende-se apresentar uma teoria que demarque o limite jurídico e moral-político da atividade parlamentar nos processos legislativos disciplinares, especialmente na Câmara dos Deputados.