FIDELIDADE PARTIDÁRIA E DESFILIAÇÃO POR JUSTA CAUSA: a hipótese da janela partidária

A fidelidade partidária, de forma resumida, pode ser definida como o dever de obediência do cidadão ao partido político em que se encontra filiado, compreendendo nesse aspecto o respeito ao programa, às diretrizes e outras obrigações decorrentes de regulamentações internas das agremiações partidárias, bem como a impossibilidade de migração partidária sem justa causa – no caso de detentores de mandato eletivo. 

Parte da doutrina entende que “é possível afirmar que a fidelidade partidária é um princípio expressamente adotado na Constituição da República de 1988, em seu art. 17, §1º1, que reflete a importância dos Partidos Políticos e da manutenção – ou proteção – de sua ideologia política” (SILVA e SANTOS, 2013, p. 17-18). Contudo, apenas em 2007 a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal passou a adotar entendimento no sentido de estabelecer que os mandatos eletivos pertencem aos partidos políticos e não aos candidatos eleitos, fortalecendo o instituto da fidelidade partidária. 

Em relação à mudança de entendimento do STF, extraem-se dos acórdãos relativos à matéria as afirmações de que a fidelidade partidária é corolário lógico-jurídico necessário do sistema constitucional vigente, sem que haja necessidade de expressão literal; que o mandato representativo não constitui projeção de um direito pessoal titularizado pelo parlamentar eleito, mas representa, ao contrário, expressão que deriva da indispensável vinculação do candidato ao partido político; que a ruptura dos vínculos de caráter partidário e de índole popular, provocada por atos de infidelidade do representante eleito, subverte o sentido das instituições, ofende o senso de responsabilidade política, traduz gesto de deslealdade para com as agremiações partidárias de origem, compromete o modelo de representação popular e frauda, de modo acintoso e reprovável, a vontade soberana dos cidadãos eleitores (DAMAZIO, 2023, p. 63).

Todavia, mesmo havendo uma preponderância de mecanismos normativos que protegem a fidelidade partidária, em resposta ao entendimento firmado pelo STF, o legislador optou por prever hipóteses legais que resguardam a troca de partido político pelos detentores de mandato, em situações que caracterizam justa causa (art. 22-A da Lei nº 9.096/952). Dentre as possibilidades, destaca-se a chamada “janela partidária”, descrita no inciso III do parágrafo único do mencionado artigo como a “ mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente”.

Em suma, a janela partidária é o período de 30 dias em que os ocupantes de cargos eletivos (obtidos em eleições proporcionais) podem trocar de partido sem perder o mandato por infidelidade partidária. No ano de 2024, considerando as eleições municipais, a troca de agremiação partidária poderá ocorrer de 7 de março a 5 de abril (prazo final para filiação daqueles que pretendem concorrer às eleições municipais de 2024, cujo primeiro turno será realizado dia 06 de outubro).

É importante reiterar que, como no ano de 2024 as eleições serão municipais, somente os vereadores eleitos pelo pleito de 2020 poderão usufruir da janela partidária – a hipótese de desfiliação não abarca os eleitos nas eleições de 2022 para as Assembleias Legislativas e para a Câmara dos Deputados.

REFERÊNCIAS

SILVA, Adriana Campos; SANTOS, Polianna Pereira dos. O princípio da fidelidade partidária e a possibilidade de perda de mandato por sua violação – Uma análise segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. REVISTA DO INSTITUTO DE HERMENÊUTICA JURÍDICA, v. 11, p. 13-34, 2013.

DAMAZIO, Caio Lucca. A fidelidade partidária e os movimentos cívicos: uma análise a partir do julgamento do caso Felipe Rigoni. Temas de Direito Eleitoral – Estudo de Casos. 1ed.Campo Grande: Editora Majupá, 2023, v. , p. 1-150.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.BRASIL. Lei nº 9096, de 19 de setembro de 1995. Brasília, DF.

  1. Art. 17, §1º da CF/88. É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. ↩︎
  2.  Art. 22-A da Lei nº 9.096/95.  Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.                  
    Parágrafo único.  Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses:
    I – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;                       
    II – grave discriminação política pessoal; e      
    III – mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.
    ↩︎

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